Feliz 2015.
Uma Isca Intelectual de Cristovam Buarque sobre o "ano da Copa".
Algo vai mal quando um país que precisa enfrentar seus problemas chama
de ano da Copa um ano de eleições presidenciais. É o que está a
acontecer com o Brasil.
Cinquenta
mil brasileiros são assassinados por ano, outros cinquenta mil morrem
no trânsito e outros 515 mil estão presos; a droga compromete a vida, a
capacidade de trabalho e o futuro de centenas de milhares de nossos
jovens; metade da população não tem acesso a água e esgoto; e a economia
se desindustrializa.
Quanto ao potencial científico e
tecnológico estamos cada dia mais para trás em relação ao resto do
mundo; as avenidas estão atravancadas; a educação apresenta um retrato
vergonhoso e uma brutal desigualdade; os hospitais públicos estão
caóticos; e a natureza está sendo degradada.
No país, temos 13
milhões de adultos que não diferenciam as letras e outros 40 milhões sem
capacidade de leitura; a produção não dispõe de logística eficiente
para sua distribuição; e cinquenta milhões de brasileiros vivem graças à
(felizmente) ajuda do programa Bolsa Família. Apesar disso, em vez de
propostas dos presidenciáveis para 2015, estamos preocupados se os
estádios da Copa ficarão prontos em 2014.
Isto se explica por
nossa paixão pelo futebol, mas também pela descrença com a política,
sobretudo porque não há candidatos propondo programas que empolguem a
população. Até aqui, todos são tão iguais no comportamento e na falta de
propostas diferenciadas. Assim, sobra apenas o grito de Viva a Copa.
Os candidatos ainda não apresentaram propostas para transformar a
viciada economia brasileira de exportadora de bens primários, inclusive,
alguns de indústria mecânica, em produtora de bens de alta tecnologia;
nem mostraram como vão fazer o desenvolvimento ser sustentável
ecologicamente e justo socialmente.
Não há propostas para o
cerco em que vivem os brasileiros por causa da violência urbana
provocada por desesperados com suas pobrezas diante da imensa guerra ao
redor, nem para enfrentar a crescente mobilização de desiludidos,
movidos pelas redes sociais, para promoverem atos de bloqueio de
trânsito, queima de veículos e quebra de vidraças.
Nenhum candidato propôs ações para emancipar nossos pobres da necessidade de ajuda mensal.
Nenhum dos presidenciáveis disse como vai conduzir o Brasil no rumo da
erradicação do analfabetismo e como garantir educação de qualidade igual
para todos. Nem qual será o salário dos professores ao fim de seu
mandato, nem como eles serão selecionados e avaliados.
Nesse
quadro de “des-eleição”, o ano de 2014 será o ano da Copa. No primeiro
de janeiro de 2015, poderemos acordar com a sensação de que tudo
continuará no mesmo rumo de um país que cresce se desfazendo.
Por isso, só nos resta desejar um Feliz 2014 para cada um dos brasileiros e um Feliz 2015 para o Brasil.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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